Paixão por chocolate - Parte I

Chocolat Des Arts - a inspiração

As vezes nos finais de semana faço um passeio pela cidade em busca de inspiração. Geralmente procuro lugares que me proporcionam experiências sensoriais diferenciadas, e muitas delas se transformam em matérias sobre fragrâncias.

E foi no último sábado, despreocupada e com tempo de sobra, que encontrei na Vila Nova Conceição, a loja de chocolates dos meus sonhos – a Chocolat Des Arts. Uma chocolaterie que é um verdadeiro convite ao pecado!

Com clima salão de chá e dos cafés franceses da Belle Époque (final do séc.19, começo do séc. 20), a loja está dividida em dois espaços: o café e a loja de chocolates.

No cardápio de bebidas, chocolates quentes, cafés Nespresso e uma novidade que eu só tinha visto em filme até então: os chás que florescem (blossom teas).

Blossom tea

Quem assistiu o filme Marie Antoniette, da minha diretora preferida, Sofia Coppola, lembrará a cena em que a ainda não coroada rainha Maria Antonieta, oferece ao seu irmão que vem da Áustria para visitá-la, um chá exótico que floresce, trazido para ela especialmente do Oriente. Um botão de flor fechado, depositado no fundo da xícara que se abre ao despejar água fervente.

Cena do filme Marie Antoinette com Kirsten Dunst

Fiquei maravilhada quando vi o filme, e fiquei muito surpresa ao descobrir que na Chocolat Des Arts este chá é oferecido aos clientes em 5 versões diferentes, com aromas delicados e levemente florais.

Outras tentações:

O chocolate quente chamado Asteca.

Como eu amo tudo que é do Marrocos, e vocês já sabem disso, não pude deixar de notar: O chocolate quente vem misturado com La Kama, que é um mix de especiarias marroquino, tais como, gengibre, canela, pimenta preta, noz moscada e cúrcuma, conferindo um sabor especiado e levemente picante ao chocolate quente. (Copinho de água com gás do lado, por favor!)

E Napoleão e Josephine, que é uma ganache de chocolate meio amargo, com geléia de amarena (uma cereja italiana) e raspas de chocolate branco.

Confesso que não experimentei nenhum dos dois, pois preferi me sentir como uma rainha na corte francesa, tomando o chá que floresce. Além do que, Sábado fez muito calor. Mas deixo isso como uma desculpa para voltar lá de novo...

Cintia e seu Chocolate Bar

O café é um canto para dividir confidências, sentar e ler uma revista, bater papo com amigos. E foi lá que acabei conhecendo a proprietária, Cintia Lima. Simpática, extrovertida e apaixonada por chocolates. E assim como muitas pessoas que venho conhecendo nos últimos tempos, Cintia largou uma carreira executiva na área de marketing para concretizar um velho sonho: trabalhar e conjugar duas paixões - a arte e o chocolate. Daí o nome da loja, Chocolat Des Arts (chocolate das artes).

Bolas de ano novo

Após morar na Europa e nos Estados Unidos, expandidno seus horizontes, foi numa viagem para a Índia e os Himalayas que ela apurou seu senso estético, conhecendo de perto o conceito do belo e do místico, e na volta resolveu criar um cantinho para dividir as energias positivas que absorveu desses lugares.

A loja realmente possui tudo isso. É um lugar acolhedor, mágico, tranqüilo, com iluminação natural, com música jazz de fundo e com a energia positiva que emana de tudo que é feito artesanalmente e com amor.

Cintia me contou que para a inauguração da loja (último dia 03), foi desenvolvida uma coleção chamada Les Ballons et les Arabesques (Os Balões e os Arabescos), que estão presentes nas caixas artesanais, na decoração da loja e em todo o material gráfico ( também um detalhe que sempre noto, pois amo design e packaging). Complementam este visual francês da loja, um pouco romântico, um pouco antigo e muito artístico.

Isso mesmo, não esperem encontrar árvores de Natal, Papai Noel de chocolate e toda aquela parafernália natalina que já está espalhada pela cidade, pois não vão encontrar! Nada nesta chocolaterie é óbvio!

Mapa da mina

O espaço da loja tem armários de madeira com caixas artesanais, barras de origem, trufas, drágeas e bolas de ano novo, tudo selecionado e arranjado de maneira artística e colorida. Me senti como uma criança na loja de brinquedos.

Barras de chocolate de origem são barras de chocolate de várias procedências e porcentagens de massa de cacau, que Cintia importou para que os clientes da loja possam conhecer e apurar o paladar (cantinho educativo, por assim dizer). Java com 39%, Ghana com 60% e Tanzânia com 75% ( meu favorito). Adoro a volúpia de um chocolate bem encorpado, bem amargo, quase salgado, bem sexual.

Bandeja do pecado com vários tipos de chocolates

As drágeas me seduziram pela infinidade de sabores: nozes, pistache e amêndoas, cobertas de camadas de caramelo, chocolate belga e cacau em pó. Pequenos pedaços de luxúria cuidadosamente embrulhados com fita colorida.

As bolas de ano novo são feitas de chocolate belga decoradas com um desejos e pensamentos dentro. São parecidas com bolas de natal ou aquelas bolas de madeira de decoração de centro de mesa. Amei!

Cantinho que mais gostei!

Num outro canto da loja, tem uma mesa com pirulitos de chocolate e mais caixinhas decoradas com motivos e balões coloridos. Fiquei apaixonada pelas lanternas japonesas penduradas no teto (seria um toque de japonisme – influência do Japão nos artistas franceses?). Um charme.

O ponto alto da loja é o que eu chamo de Chocolate Bar, não sei como a dona chamaria este display de pequenos prazeres, portanto batizei ele desta forma. É o local de exercitar a gourmandise ( ato de degustar por prazer e não para saciar a fome). Portanto, sugiro fazer isso sozinha(o), para não passar vergonha, pois dá vontade de provar todos, e comer o mais delicioso aos quilos.

Decorados e deliciosos

O que parece uma organização aleatória de bandejas, na verdade é muito mais que isso. Cintia pesquisou detalhamente movimentos artísticos da história e se inspirou neles para criar esses pequenos prazeres.

Renascence: é o grupo dos chocolates clássicos e robustos, com recheios encorpados: creme brulée com pedaços de caramelo; Porto Tawnys, com recheio de um porto envelhecido 10 anos e chocolate meio amargo; Coffee Trufle, com recheio de café arábico 100% bem aromático e encorpado, e um chocolate inusitado – com recheio de calêndula.

Neoclassic: é o nome que a chef deu para os chocolates tradicionais, já conhecidos no mercado, como chocolate com marzipan, caramelo, trufa e avelã.

Impressionism: é a bandeja que mais me conquistou. São bombons exóticos, diferentes, instigantes. Lá encontrei de novo a mistura de chocolate com La Kama, desta vez em forma sólida e fria; Kaffir Lime possui um recheio de infusão de folhas de limão tailandês levemente mentolado. Tem também chocolates com chá branco e trufas com pistache, que deve ser uma loucura acompanhando o chá que floresce...

Art Noveau: é a bandeja de notas frutais: Bombons com recheio de coco ao leite, goiabada com brie, passion fruit e morango.

Do outro lado do balcão, encontrei expostos chocolates importados da França que são simplesmente maravilhosos. Bombons em forma de esfera, cuidadosamente pintadas. Verdadeiras obras de arte em chocolate.

Esferas francesas de chocolate - arte em forma de chocolate

Esferas francesas de chocolate - bicolor

Tem também as chamadas Barras Rústicas que são lascas de chocolate com amêndoas, para contrastar com luxo das esferas francesas.

E como les petits (os pequenos) não podiam ficar de fora, tem chocolates de temas infantis com recheio de brigadeiro, doce de leite e bicho de pé.

Em seguida vem Les Especiales (como se o resto não fosse especial...até parece!), que são bombons de edição especial da chef, com framboesa pura, chocolate branco, chocolate meio amargo e amarena (lembra aquele chocolate quente chamado Napoleão e Josephine que já mencionei).

Após vislumbrar todas as opções e aguçar alguns dos sentidos, parti para o que realmente interessa: aquela fusão incrível do paladar com o olfato.

Sou daquelas que como com o nariz, ou seja, procuro experiências gustativas exclusivamente guiadas pelo olfato. Portanto, escolhi cuidadosamente alguns chocolates para degustar, com combinações de aromas, que provavelmente me levariam ao êxtase olfativo a ser confirmado na boca; Kaffir Lime, Calêndula e Chá Branco, notas da perfumaria que conheço a fundo.

Trio da sedução

Kaffir Lime possui uma textura crocante e dura de chocolate belga bem robusto, com um recheio cremoso e macio de limão e com uma leve refrescância de menta. Nem ousem pensar em after eight, pois esta iguaria mais se parece com um perfume, e nada lembra aqueles chocolates baratos, servidos com cafezinho no final das refeições.

Deixei derreter lentamente na boca, (entre o céu da boca e a língua, como Cintia me ensinou a desgustar chocolates), para poder sentir as notas doces e envolventes de cacau, com a picância da menta e a refrescância do limão.

Sabonete da Ducha de casca de limão

Lembrei do sabonete maravilhoso da Ducha, de casca de limão. Uma experiência a ser explorada, a dois, no próximo verão... já pensou? “Banho a dois e chocolates Kaffir Lime”...

Calêndula foi uma surpresa! As notas se fundem e formam um acorde homogêneo, quase inseparáveis. Quebrar a casca crocante do bombom para ser introduzida ao recheio já é por si só uma sensação única.

Fechei os olhos e fui parar num antiquário com móveis de madeira maciça, obras de arte...

A calêndula confere uma nota amadeirada, trufada na massa de chocolate. Uma iguaria que com certeza voltarei a buscar várias vezes na loja.

E por fim, Chá Branco. Deixei o melhor para o final.

Chocolate com chá branco é realmente um acorde delicado e perfumado.

Mistura exótica da serenidade do oriente, com a classe européia e nuances de latinidade, combinadas num só bombom. É como tomar chá e saborear chocolates ao mesmo tempo. Daria um bom acorde para um perfume luxuoso e sensual. Imaginei uma gueixa, acariciando o rosto de um senhor belga.

Trio fantástico de bombons!

Talvez até esquentar os bombons com as mãos e espalhar o chocolate pela pele, para conferir como esses acordes evoluem.

Assim como os perfumes, experimentei somente TRÊS bombons, para não confundir o olfato, vez que fui na loja para me inspirar para escrever sobre fragrâncias.

Binoche e Johnny Depp em Chocolat

Mas confesso que tive que me controlar, para não fazer como o ator Alfred Molina, no filme Chocolat.

Para quem não conhece o filme, corra para alugar!

Mas enquanto isso, explico: No filme, o ator interpreta o conde Paul de Reynauld, que é o prefeito de uma pequena cidade rural na França, e que prega a rigidez da religião e a moralidade. Sua vida se torna um inferno quando Vianne (Juliette Binoche) abre uma chocolaterie na cidade, justamente no feriado que antecede a Páscoa Católica, no qual os fiéis devem fazer jejum.

Num certo momento do filme, a batalha do autoritarismo (representado pelo conde) perde para o chocolate (que no filme, simboliza a compaixão, a tolerância e o prazer), e o conde, não agüentando mais, se rende ao pecado do chocolate, quebrando a vitrine da loja e devorando insanamente tudo que vê na frente.

Sendo assim, confirmei o que eu havia dito no começo da matéria, confira o chocolate bar sozinha(o)!

A loja foi para mim uma experiência degustativa, olfativa e sensual.

Saí de lá feliz em ter conhecido uma pessoa tão sensível e delicada como a Cintia; por ter achado um cantinho onde posso explorar todos os sentidos.

Voltei para casa inspirada em notas gourmets de cacau e chocolate e resolvi elaborar uma lista de perfumes que trouxessem a experiência da boca, para a pele. Mas sem deixar de aproveitar o tema para desenvolver a parte II – a matéria – prima do mês – O chocolate, que virá seguida da matéria conjunta que estou escrevendo com Gaëlle, sobre os encantos da Bélgica.

Design delicioso e artístico da designer Gabriela Yaroslavsky

Para conferir de perto e se inspirar:

Chocolat Des Arts - Rua Diogo Jacome, 360 tel: 30447428

Crédito de fotografia e produção gráfica da Chocolat Des Arts: Gabriela Yaroslavsky e Chocolat Des Arts

Crédito de fotografia sabonete: Ducha Cosméticos e blog +Q Perfume

Crédito fotográfico de fotos dos filmes: www.movies.nytimes.com e www.johnmariani.com